sábado, 26 de junho de 2010

Guerrilheiros do Araguaia

Passa como um sussurro
O vento dos gritos agonizantes
Dos guerreiros camponeses:
Reminiscência de uns tempos
Idos, sagrados para as atrocidades
Nos porões do inferno, onde
Lágrimas misturavam-se ao sangue
Extraído daqueles corpos exangues;
Onde a morte mostrou-se companheira
Melhor que os viventes, estendendo-lhes
As mãos, quando lhes concediam suplícios.

Forte dor sinto agora
Pelos camaradas de outrora;
Os mártires da Liberdade,
Guerreiros impassíveis;
Todavia, refratários ao estoicismo:
Sentiam dores, mas sobrepunham-lhes
Esperança, vida e todos os sofrimentos
Eram terrivelmente multiplicados
Por todos os brasileiros.

Atores clandestinos de um palco
Pintado com os sons da injustiça,
Suportando o horrível peso
Das fisionomias macabras de seus filhos,
Esposas e maridos nos sonhos insones,
Perturbando-lhes o sono impossível.
O brilho nos olhos abundava
Nas faces daqueles heróis desgraçados,
Fadados à maldição dos carrascos – a justiça.
Contudo a luta foi frutífera,
E isto se prova pela auréola
Com a qual estas personagens são envoltas.

Ainda hoje são lembrados
E serão para sempre homenageados
Aqueles a quem o destino fatal não poupou.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A uma alma cansada da vida passageira; enfadada na vida eterna.

Não te haverás de surpreender
Se vida por fim deixares cair;
Por onde passas odes te concedam
Impérios que hão de ruir.

Julgas-te morta, carne saudosa,
E tua vida se eclipsa nesse porvir;
Com todas as tuas desgraças, mulher,
Como consegues sorrir?

Não vês, então, que te apontam?
Que o único a quem preocupas sou eu?
Mas tu, carne morta, tão doentia,
Perdeste-te no próprio véu...

E tu, nesse vagaroso caminhar
Que descanso não desfruta,
Pois tempo se tem infinito
Que caminhos não cessam,
Perdes teu tempo nessa árdua labuta
Sem esperança de renovação!

Ainda que mão vil queira amparar-te;
Ainda que boca maldita queira beijar-te,
Estás para sempre submersa
Nessa vida eterna de disparates.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

À Omolara

Quem me dera uma vez ainda,
À noite, sozinho,
Tuas mãos eu tocar.
Beijar-te a face linda,
Deitado em teu ninho,
Amar-te com paixão infinda
Para depois sonhar.

Surge o encanto nas asas noturnas,
São estrelas tão próximas,
Teus olhos tão tristes,
Cuja beleza soturna
Põe meu peito em riste...

Ó linda Omolara,
Se tu visses no mundo
A beleza mais rara,
Seria um segundo
Que não se compara:
A tua fisionomia
Refletida na Lua,
A sublime harmonia
De tua forma nua.

Omolara, que tua Mãe África
Seja abençoada!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Espelho

Não, não creio em mim,
Tampouco em minha bondade
Estéril, de quem ama desmedidamente
Sem esperar reciprocidade.

É triste, absolutamente triste
Ter quase nada,
Que não é inteiramente nada
Graças aos resquícios de uns amores
Passados, fracassados e familiarizados
Aos dissabores de minha vida ordinária.

Minhas flores possuem espinhos,
Os quais causam chagas
Tentando fazer carícias;
Meu sorriso é tão falso,
Que cultivo uma alegria também estéril
Em detrimento do que meus olhos enxergam.

Desta forma, sou dois – que não eu!
- entrecruzando-se ludicamente, confusamente,
Dando origem a um novo ser – seria um terceiro, meu Deus?
- que não consigo relacionar às minhas características,
Tornando-me ambíguo, paradoxal e fraco.

Não, ninguém vê isto.
E também não há nada que alguém veja
Que me torne mais feliz.
E, ainda que alguém visse, quando vir, realmente,
Seria o que de fato sou ou estas sombras
Que me acompanham? Quem poderá dizê-lo?

Amei, pois, e de tanto amar tornei-me louco,
Tornei-me sombra do que todas quiseram que eu fosse,
Enquanto eu, sem coragem de expor-me, deixei-me que fosse,
Sem ao menos saber o que estava sendo.



Chegando em casa, completamente embriagado, depois de recitar o poema Tabacaria, do Álvaro de Campos - heterônimo do Fernando Pessoa.

domingo, 6 de junho de 2010

Inventário

Decidi: vou me matar.
Deixo, através deste, meu inventário. Não esperem objetos de valores, não os possuo. Trago à luz algumas ideias e pensamentos, cultivados e lapidados nestes dezenove anos. Desculpem-me se minhas palavras parecerem rudes, mas é que neste momento vejo as coisas mais belas, e distingo tudo que é ruim com mais facilidade. Agora, apenas agora, tenho discernimento.
Sobre o que falarei?
Pai, perdoe-me por ter sido um merda, sempre. Sei que não fui um menino amável enquanto eras vivo; desculpe-me pela falta de palavras dóceis. Quando soube de tua morte, minhas lágrimas foram sinceras, tão sinceras quanto estou sendo agora. Pai, eu estou jogando limpo. Nunca choraste de emoção por algo que fiz, mas sempre tiveste orgulho em dizer: “Aquele é o meu filho.” Choro, neste momento, e espero te reencontrar para dizer tudo que não disse antes, mas que tenho vontade agora, para beijar teu rosto e dizer um “eu te amo” puro. Depois de morto, viste-me poeta, devasso e cético. Muitas vezes fui um zero à esquerda. Pai, és meu herói! Não digo, porém, que és meu exemplo. Estaria te insultando se o dissesse.
Mãe, obrigado por me ter acolhido no teu ventre. Talvez ele tenha sido mais agradável do que o mundo aqui fora. Obrigado por me ter acolhido em tua casa que, obviamente, não é minha, nunca foi. Obrigado por me ter dado educação. Sou um merda, eu sei, mas há piores do que eu. Meu boletim escolar, por exemplo, sempre foi bom. Queria te dar um beijo na testa, mas não há mais tempo para isso. Eu vou morrer, mãe!
Irmão, brigamos muito. Mas sempre nos desculpamos. Não sei as tuas, mas as minhas desculpas sempre foram sinceras. Obrigado por ter sido companheiro em alguns momentos agradáveis, os quais eu quis dividir com você, e obrigado por ter me deixado sozinho nos momentos difíceis. Sempre preferi assim. Irmão, outra coisa: afaste-se dessa merda de religião. Ela não te faz alguém melhor, seja inteligente, porra!
Mulheres, vocês são perfeitas! Sempre que algo deu errado nos nossos relacionamentos foi minha culpa, somente minha – bato no peito neste momento. Àquelas que não quiseram nada comigo, digo: não se preocupem, não é por culpa de vocês que vou me matar – seria muita pretensão, aliás! Seriam apenas números, uma ou outra a mais na minha lista. Vejam, agora mesmo, não me lembro dos seus nomes, não me lembro sequer de suas fisionomias, tão indiferentes vocês me são agora. Agradeço àquelas que se entregaram a mim. Tudo o que eu sei sobre sexo, hoje, foram vocês que me ensinaram. Tenho consciência de que também lhes ensinei muitas coisas, tendo, inclusive, certeza de que fui, senão o melhor, um dos melhores homens que vocês já conheceram. Sempre fui ouvinte; nunca admiti que vocês fingissem orgasmo. Nunca ejaculei antes de ver vocês plenamente satisfeitas. Sei que agora vocês devem estar se lembrando e peço: Masturbem-se pensando em mim. Não é pecado masturbar-se pensando num morto, eu autorizo.
Amigos, saio desta vida com uma certeza: vivemos! Fizemos cada minuto valer a pena. Embora eu saiba que vocês não têm influência alguma no que sou hoje, reconheço a importância de todos vocês.
Amigos de Partido, meus camaradas, não desistam da revolução. Tenhamos fé, a Dilma será eleita. Caso o eleito seja o Serra, façam a revolução, não percam tempo. Temos camaradas suficientes para isso. Temos também sede de justiça. Antes que alguém pergunte, não sou do PT. Sou do PCdoB e, para quem não conhece nossa política, o PT e o PCdoB são aliados há anos. Amigos de Partido, por favor, quando vocês chegarem ao poder, estatizem as empresas privadas, distribuam a renda de maneira justa, acabem com a revista Veja e não se esqueçam do lema do Partido: a submissão da minoria à maioria.
Meu Grande Amigo, a ti consagro uma missão especial: publique meu livro. Por favor, não deixe que meu nome se perca. Meu livro não é ruim, já vi piores. É um romance, enfim, você já leu e sabe como gostaria que fosse a capa e tudo o mais. Meu Grande Amigo, obrigado por ter lido minhas poesias e ter me oferecido belas mulheres. Você é foda, irmão! Não chore por mim. Não valho uma lágrima tua. Lembre-se sempre daquela vez, no aeroporto, em que peguei tua irmã, depois que enganamos os seguranças. Dê um beijo na tua irmã. Ela não me é muito importante, por isso não terá um parágrafo neste texto.
Meu Grande Amor, consagro a ti meus sentimentos. Poderia levá-los comigo, mas você os valoriza mais que eu. Portanto, fique com eles. Fique também com meus livros, todos eles, você saberá usá-los. Não preciso dizer onde eles ficam, você bem o sabe. Não preciso dizer também a importância que os mesmos têm para mim, então cuide bem deles. Sei que devo me desculpar por isto que estou prestes a fazer. Mas a nossa história, creio eu, nunca foi para ser vivida na terra, e sim num outro lugar, onde promessas não têm valia e cobranças são desnecessárias. Ame o nosso filho que está para nascer e minta para ele: diga-lhe que seu pai foi bom, foi sublime. Acaso percebas que ele está se tornando parecido comigo, ponha-o de castigo. Eu sei o quanto sofri por ser assim e não quero que um sangue do meu sangue passe pelo mesmo. Meu Grande Amor, esta não é a última vez que digo que te amo. Sempre o farei quando fores deitar, ou quando acordares, ou quando precisares de um ombro amigo. Choro, pela segunda vez, sobre este papel.
Amigos, não sejam tolos, não acreditem em felicidade. Pretendia escrever um livro sobre isso, mas não deu tempo. Felicidade, meus caros, deve ser buscada, e uma vez em que se acreditarem felizes, não mais a buscarão. Por isso, façam como eu: sejam tristes, melancólicos, mas buscando não sê-los. Entenderam? É uma dialética.
Agradeço também aos meus mestres, especialmente meus ex professores de Literatura e Filosofia, que inseriram em mim esse gosto pela leitura. Espero que vocês leiam isto algum dia. E desculpe pela falta de interesse demonstrada em sala de aula. Era só para me fazer de forte perante alguém que admiro.
Por fim, eu digo: façam sexo, usem camisinha. Não passem vontade, isso é uma grande ignorância! Procriem à vontade, o Malthus estava ébrio quando elaborou sua teoria. E saibam educar seus filhos, melhor do que seus pais a vocês.
Vou me matar cortando meu pulso, sempre achei mais romântico do que um tiro, ou pular do alto de uma ponte.