quinta-feira, 10 de junho de 2010

Espelho

Não, não creio em mim,
Tampouco em minha bondade
Estéril, de quem ama desmedidamente
Sem esperar reciprocidade.

É triste, absolutamente triste
Ter quase nada,
Que não é inteiramente nada
Graças aos resquícios de uns amores
Passados, fracassados e familiarizados
Aos dissabores de minha vida ordinária.

Minhas flores possuem espinhos,
Os quais causam chagas
Tentando fazer carícias;
Meu sorriso é tão falso,
Que cultivo uma alegria também estéril
Em detrimento do que meus olhos enxergam.

Desta forma, sou dois – que não eu!
- entrecruzando-se ludicamente, confusamente,
Dando origem a um novo ser – seria um terceiro, meu Deus?
- que não consigo relacionar às minhas características,
Tornando-me ambíguo, paradoxal e fraco.

Não, ninguém vê isto.
E também não há nada que alguém veja
Que me torne mais feliz.
E, ainda que alguém visse, quando vir, realmente,
Seria o que de fato sou ou estas sombras
Que me acompanham? Quem poderá dizê-lo?

Amei, pois, e de tanto amar tornei-me louco,
Tornei-me sombra do que todas quiseram que eu fosse,
Enquanto eu, sem coragem de expor-me, deixei-me que fosse,
Sem ao menos saber o que estava sendo.



Chegando em casa, completamente embriagado, depois de recitar o poema Tabacaria, do Álvaro de Campos - heterônimo do Fernando Pessoa.

4 comentários:

  1. tsc, tsc
    Chegando bêbado em casa, né?!

    Bom, poeta alcoolatra, genial. Realmente, um tanto paradoxal, mostrando como é o âmago de um poeta.
    Dá pra perceber mesmo influência da poesia do Álvaro de Campos em você.

    "Amei, pois, e de tanto amar tornei-me louco,
    Tornei-me sombra do que todas quiseram que eu fosse,
    Enquanto eu, sem coragem de expor-me, deixei que fosse,
    Sem ao menos saber o que estava sendo."

    Isso é muito você. Talvez você não tenha nem noção.

    Te amo, poeta.
    Beijos.

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  2. Um dos poemas que mais gosto, estava até no perfil do orkut há um tempo atrás. Dá mesmo para enxergar um "Em que hei de pensar?" em meio as suas linhas. Preciso um dia experimentar escrever bêbado, nunca nem fiquei bêbado...

    Bem, poeta da bondade estéril, outra excelente espécime.

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  3. Embriagada por certo me tornaria explícita demais! hahaha
    Esse poema é lindo e triste ao mesmo tempo!
    A alma confusa do poeta que não sabe que a essência do amor é doar - e não receber - chora pelo pouco que tem, e pelo tanto que é capaz de entregar!
    Dee ter sido um espetáculo assistir à declamação!
    bjins
    =)

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  4. "Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta..." rs

    Completamente fascinada com a sua alma.

    "Amei, pois, e de tanto amar tornei-me louco"

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