domingo, 6 de junho de 2010

Inventário

Decidi: vou me matar.
Deixo, através deste, meu inventário. Não esperem objetos de valores, não os possuo. Trago à luz algumas ideias e pensamentos, cultivados e lapidados nestes dezenove anos. Desculpem-me se minhas palavras parecerem rudes, mas é que neste momento vejo as coisas mais belas, e distingo tudo que é ruim com mais facilidade. Agora, apenas agora, tenho discernimento.
Sobre o que falarei?
Pai, perdoe-me por ter sido um merda, sempre. Sei que não fui um menino amável enquanto eras vivo; desculpe-me pela falta de palavras dóceis. Quando soube de tua morte, minhas lágrimas foram sinceras, tão sinceras quanto estou sendo agora. Pai, eu estou jogando limpo. Nunca choraste de emoção por algo que fiz, mas sempre tiveste orgulho em dizer: “Aquele é o meu filho.” Choro, neste momento, e espero te reencontrar para dizer tudo que não disse antes, mas que tenho vontade agora, para beijar teu rosto e dizer um “eu te amo” puro. Depois de morto, viste-me poeta, devasso e cético. Muitas vezes fui um zero à esquerda. Pai, és meu herói! Não digo, porém, que és meu exemplo. Estaria te insultando se o dissesse.
Mãe, obrigado por me ter acolhido no teu ventre. Talvez ele tenha sido mais agradável do que o mundo aqui fora. Obrigado por me ter acolhido em tua casa que, obviamente, não é minha, nunca foi. Obrigado por me ter dado educação. Sou um merda, eu sei, mas há piores do que eu. Meu boletim escolar, por exemplo, sempre foi bom. Queria te dar um beijo na testa, mas não há mais tempo para isso. Eu vou morrer, mãe!
Irmão, brigamos muito. Mas sempre nos desculpamos. Não sei as tuas, mas as minhas desculpas sempre foram sinceras. Obrigado por ter sido companheiro em alguns momentos agradáveis, os quais eu quis dividir com você, e obrigado por ter me deixado sozinho nos momentos difíceis. Sempre preferi assim. Irmão, outra coisa: afaste-se dessa merda de religião. Ela não te faz alguém melhor, seja inteligente, porra!
Mulheres, vocês são perfeitas! Sempre que algo deu errado nos nossos relacionamentos foi minha culpa, somente minha – bato no peito neste momento. Àquelas que não quiseram nada comigo, digo: não se preocupem, não é por culpa de vocês que vou me matar – seria muita pretensão, aliás! Seriam apenas números, uma ou outra a mais na minha lista. Vejam, agora mesmo, não me lembro dos seus nomes, não me lembro sequer de suas fisionomias, tão indiferentes vocês me são agora. Agradeço àquelas que se entregaram a mim. Tudo o que eu sei sobre sexo, hoje, foram vocês que me ensinaram. Tenho consciência de que também lhes ensinei muitas coisas, tendo, inclusive, certeza de que fui, senão o melhor, um dos melhores homens que vocês já conheceram. Sempre fui ouvinte; nunca admiti que vocês fingissem orgasmo. Nunca ejaculei antes de ver vocês plenamente satisfeitas. Sei que agora vocês devem estar se lembrando e peço: Masturbem-se pensando em mim. Não é pecado masturbar-se pensando num morto, eu autorizo.
Amigos, saio desta vida com uma certeza: vivemos! Fizemos cada minuto valer a pena. Embora eu saiba que vocês não têm influência alguma no que sou hoje, reconheço a importância de todos vocês.
Amigos de Partido, meus camaradas, não desistam da revolução. Tenhamos fé, a Dilma será eleita. Caso o eleito seja o Serra, façam a revolução, não percam tempo. Temos camaradas suficientes para isso. Temos também sede de justiça. Antes que alguém pergunte, não sou do PT. Sou do PCdoB e, para quem não conhece nossa política, o PT e o PCdoB são aliados há anos. Amigos de Partido, por favor, quando vocês chegarem ao poder, estatizem as empresas privadas, distribuam a renda de maneira justa, acabem com a revista Veja e não se esqueçam do lema do Partido: a submissão da minoria à maioria.
Meu Grande Amigo, a ti consagro uma missão especial: publique meu livro. Por favor, não deixe que meu nome se perca. Meu livro não é ruim, já vi piores. É um romance, enfim, você já leu e sabe como gostaria que fosse a capa e tudo o mais. Meu Grande Amigo, obrigado por ter lido minhas poesias e ter me oferecido belas mulheres. Você é foda, irmão! Não chore por mim. Não valho uma lágrima tua. Lembre-se sempre daquela vez, no aeroporto, em que peguei tua irmã, depois que enganamos os seguranças. Dê um beijo na tua irmã. Ela não me é muito importante, por isso não terá um parágrafo neste texto.
Meu Grande Amor, consagro a ti meus sentimentos. Poderia levá-los comigo, mas você os valoriza mais que eu. Portanto, fique com eles. Fique também com meus livros, todos eles, você saberá usá-los. Não preciso dizer onde eles ficam, você bem o sabe. Não preciso dizer também a importância que os mesmos têm para mim, então cuide bem deles. Sei que devo me desculpar por isto que estou prestes a fazer. Mas a nossa história, creio eu, nunca foi para ser vivida na terra, e sim num outro lugar, onde promessas não têm valia e cobranças são desnecessárias. Ame o nosso filho que está para nascer e minta para ele: diga-lhe que seu pai foi bom, foi sublime. Acaso percebas que ele está se tornando parecido comigo, ponha-o de castigo. Eu sei o quanto sofri por ser assim e não quero que um sangue do meu sangue passe pelo mesmo. Meu Grande Amor, esta não é a última vez que digo que te amo. Sempre o farei quando fores deitar, ou quando acordares, ou quando precisares de um ombro amigo. Choro, pela segunda vez, sobre este papel.
Amigos, não sejam tolos, não acreditem em felicidade. Pretendia escrever um livro sobre isso, mas não deu tempo. Felicidade, meus caros, deve ser buscada, e uma vez em que se acreditarem felizes, não mais a buscarão. Por isso, façam como eu: sejam tristes, melancólicos, mas buscando não sê-los. Entenderam? É uma dialética.
Agradeço também aos meus mestres, especialmente meus ex professores de Literatura e Filosofia, que inseriram em mim esse gosto pela leitura. Espero que vocês leiam isto algum dia. E desculpe pela falta de interesse demonstrada em sala de aula. Era só para me fazer de forte perante alguém que admiro.
Por fim, eu digo: façam sexo, usem camisinha. Não passem vontade, isso é uma grande ignorância! Procriem à vontade, o Malthus estava ébrio quando elaborou sua teoria. E saibam educar seus filhos, melhor do que seus pais a vocês.
Vou me matar cortando meu pulso, sempre achei mais romântico do que um tiro, ou pular do alto de uma ponte.

24 comentários:

  1. Estou chocada, nem sei me explicar.
    Mereces meu comentário, apesar de ter ignorado os leitores em teu texto.
    "Irmão, outra coisa: afaste-se dessa merda de religião. Ela não te faz alguém melhor, seja inteligente, porra!"
    Também digo isto à minha ignorante irmãzinha... é foda.
    Você é foda, vivo ou morto!
    Perdoe as palavras incultas, mas nelas estão a mais clara expressão da minha verdade agora.

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  2. Só tenho um comentário, meio tosco, mas o único que me ocorreu depois de tudo...

    ... Morte cortando o pulso pode parecer mais romantica, mas a mim, parece mesmo é um pedido de socorro, raramente o suicida morre...

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  3. Já que vais te tirar a vida, o faça com um tiro no céu da boca e ponto final. Que viadagem é essa de cortar os pulsos? Depois aí sim vc vai ficar se chamando de merda! E cá entre nós, por favor, não repita que a dilma será eleita... isso manchou seu texto! Fora essa parte, ele é lúcido, lúdico e cômico, se não fosse trágico...
    Gostei demais!
    =*

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  4. Se isso tudo fosse uma grande verdade, você estaria jogando ao lixo você. Uma morte ridícula, não sei nem o que comentar.
    Seria ele, seu irmão, tão ignorante por acreditar em algo? O que você tem feito melhor que ele? Cortado os pulsos se acovardando por não ser forte perante a vida?
    Eu esperava mais de você, Felipe, você com certeza seria melhor que isso.
    Mas caso isso tudo seja uma grande invensão de um poeta sem limites, que bom, a sua criatividade nos surpreende sempre... Beijos.

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  5. É, cortar os pulsos é bem mais melancólico, mais a sua cara... ver o sangue indo embora junto a sua vida... fiquei imaginando.
    Ai!

    Escrever essas coisas sempre nos faz pensar na vida... gostei!

    bjos!

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  6. Cara, você é completamente louco!

    Estou rindo, mas porque estou te olhando. Senão, estaria preocupada mesmo.

    Mesmo nas partes engraçadas tem um quê de melancólico.

    Polêmico, muito polêmico. Mas adorei. Principalmente na parte das mulheres, que sou testemunha. haha E na parte que fala de mim, óbvio. Lindo!
    Te amo.

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  7. Eu realmente espero que isso não seja sério. Duvido, mas a forma fidedigna com que escreveu pode revelar, no mínimo, o intuito do suicídio. Seria uma lástima, ainda mais que te conheço há pouco e vi que sua escrita deve iluminar os dias de muita gente. De qualquer maneira, me coloco a disposição caso queira conversar sobre qualquer assunto.

    Aposto que você nasceu entre as 22:30 e 00:30.

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Um típico homem. Machista até a morte.
    Mas, por que a Dilma?
    E, por que você não acredita em felicidade?

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  10. Vou dar uma festa em casa. Motivo? Menos um comunista no mundo.

    Serra 2010, maldito. Já chega de presidente analfabeto.

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  11. No início imaginei: lá vem mais um texto de alguém que quer morrer, que tédio!
    Independente de ser SEU ou de fulano, eu não gosto de ler textos de suicidas.
    Apesar do meu desgostar, você foi imperdível. Foi fantasioso ler, e é fácil te ver no texto, é fácil enxergar sua alma nisso aqui, seu EU. Desse texto você não soube escapar, acredito mesmo é que você não quis.

    Adoro quando se mostra, se amostra.. Gosto de você diante de mim nu, como veio ao mundo. rs

    saudades, lipe.

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  12. Mentira!
    Você só vai morrer depois de me conhecer, e no alto do Farol da Barra, lembra? :)

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  13. Ei, realmente acho que tive uma impressão errada sua. Desculpa.
    Outra, não vou comentar mais nada de política, tenho o péssimo habito de querer que as pessoas pensem como eu.
    Talvez você não seja machista, talvez eu que seja feminista demais.

    Valeu pelo comentário, as vezes eu penso em desistir e ir vender coco na praia, mas ai eu lembro que meu sonho não é esse.

    Beijos ;*

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  14. Depois de ler este, descubro significado do nome do teu blog.

    Espero que tudo seja só — e somente só — literatura.

    Gosto de você, Lipe. *:

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  15. Obrigado por existir e por deixar a minha vida um pouco mais saborosa com os seus textos!

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  16. Se tu vais morrer ou não, francamente, pouco me importa. Particularmente, acho que quem quer fazer algo não manda recado, vai lá e faz. Enfim, só me esclarece uma coisa: o comunismo já não foi sepultado com o colapso da URSS e com a queda do muro de Berlim? Ele não resiste agora apenas em "superpotências" como Cuba e Coreia do Norte? Por que tu não te mudas pra lá? Ou podes ir pra China onda os direitos humanos são sistematicamente desrespeitados além de outros bens universais tais como a liberdade individual e de imprensa. Moleque, deixa de fazer drama e vai estudar.

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  17. Anônimo, não precisa colocar superpotências entre aspas.
    Você classifica uma potência segundo o quê? Segundo a capacidade de um país em exercer o imperialismo em outras nações? Segundo a miséria que um país impõe noutro, como os Estados Unidos fazem com Cuba? Sim, porque as dificuldades pelas quais Cuba passa são graças ao embargo econômico imposto pelo governo imperialista dos Estados Unidos.

    Ou, para você, superpotência é um país que vive sob tutela de outro, como por exemplo a Colômbia?

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  18. Apenas para não lhe deixar sem material de reflexão durante a madrugada: superpotência, para mim, é um país que tem a idade do Brasil, mas que desenvolveu-se de tal forma que hoje torna-se rídicula qualquer comparação entre os dois. É um país que todos adoram falar mal, mas ninguém pode viver sem. Falo em termos de relações comerciais, para ficar breve. Felipe, as pessoas deveriam parar de falar de quem se destaca e passar a trabalhar e a perseguir um sucesso semelhante. Não seja inocente, ou o preço que todos nós pagaremos será muito alto. O embargo econômico será corretamente mantido até o dia em que cessem as atrocidades contra os direitos humanos que são cometidas diariamente no país que você citou. Se você não enxerga isso, então é vergonha!

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  19. Eu comparei o Brasil ao Estados Unidos? Não.
    Apenas te fiz uma pergunta, a qual foi respondida com circunlóquios.
    Subordinar, à força, outras nações e seus povos, é característica de uma potência?

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  20. Potência, não, Felipe. Superpotência! Mais respeito. À força, não, também. Digamos que seja mais tipo aquela história "manda quem pode, obedece quem..." Bom, você sabe o resto...
    Isso é uma coisa boa ou ruim? Digo todo esse poder. Sinceramente, não sei. Acho que é responsabilidade de mais para um só país. Pode ser uma tentação, às vezes. Mas se é um trabalho sujo que alguém precisa fazer. E é, por ora. Prefiro que seja exercido pela única superpotência que existe no momento. Quem mais vc acha que daria conta? O Brasil? Não responda agora. Pense um pouco antes.

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  21. Certamente não foi à toa que eles atingiram esse staus.

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  22. Bruna, você falou tudo. Sou pior do que o meu irmão, sou pior do que todo o mundo. Não tenho feito nada.

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  23. Só aviso uma coisa: o PIB da China já superou o do Japão...

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  24. Caramba, isso aqui está pegando fogo! rs, mas deixando de lado a política e mantendo o foco no texto, eu sei que não irá se matar, foi apenas seu eu lírico diviníssimo que falou aqui, porém caso eu esteja enganada, e o "Felipe Braga" vá mesmo se matar, acho que antes deveria mudar a introdução e colocar: "Decidi: vou me matar e matar muitas mulheres por aí". Você é incrível Sr. Braga. Viver apenas 19 anos? Dê-nos a honra e a felicidade de mais longos anos... Beijos seu lindo!

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