Ontem, dei uma entrevista a um grupo de estudantes da Universidade Federal Fluminense, sobre as cotas raciais. O STF julgou recentemente a validade das cotas, que foram aprovadas. Portanto, esse é um assunto que está em pauta na sociedade, e por isso resolvi publicar aqui no blog. Seuge abaixo a entrevista:
1) Felipe, a
universidade em que você estuda adota o sistema das cotas raciais?
Sim. A UERJ foi uma das primeiras universidades do Brasil a
adotar o sistema de cotas raciais, há uma década.
2) Você é estudante
cotista?
Não.
3) Você é contra ou a favor as cotas raciais no ensino superior? E em relação às cotas sociais, qual é sua posição?
3) Você é contra ou a favor as cotas raciais no ensino superior? E em relação às cotas sociais, qual é sua posição?
Sou a favor das cotas raciais, porque negar que pobreza no
Brasil tem uma cor definida é fechar os olhos para a realidade histórica e
social do nosso país. Em relação às cotas sociais, entendo como uma medida
recuada, muito pouco ousada e, por isso, ineficaz.
4) Para você, as cotas ferem o princípio
da igualdade?
Não, simplesmente porque não há igualdade no Brasil. O que
fere o princípio da igualdade é a ausência de negros na universidade.
5) O mérito deveria ser o único critério
usado para o ingresso no ensino superior?
Não. Compactuar com a meritocracia num país tão desigual é
assinar atestado de fascista, na lógica da exclusão de muitos em benefício de
poucos.
6) Qual o papel da educação superior nessa
história? Mais teórico, combatendo as ideias racistas, ou mais prático, através
da criação de cotas raciais?
O papel da educação superior é colocar pessoas de todas as
cores no espaço acadêmico, o que hoje não ocorre. Até porque, sendo bem
realista, a educação superior nunca usou a teoria para combater ideias
racistas. Vale lembrar a teoria do embranquecimento, a posição concretamente
contrária da academia em relação à miscigenação. A exclusão de negros dos
espaços de conhecimento e de poder, no Brasil, se deu também pela via
institucional. O samba já foi perseguido, bem como a capoeira, o candomblé, que são hábitos, costumes e crenças de origem africana. Já
houve a Lei da Vadiagem, aplicada exclusivamente a negros e mulatos. Tudo isso
fortalecido por teorias racistas elaboradas dentro da academia.
7) Como combater o racismo?
Há várias formas de se combater o racismo. É importante
fazer isso no dia-a-dia, 24 horas por dia. O racismo se manifesta em piadas, em
comentários maldosos. Essa é a forma individual de combate ao racismo. No
entanto, é importante combatê-lo coletivamente, na adoção de políticas públicas
que insiram os negros em locais que são historicamente fechados para eles, na elaboração de
leis mais rígidas que punam racistas etc.
8) Você acha que é possível uma ação afirmativa destituída da oposição racial (branco X negro)?
É possível, mas não eficaz. É preciso reconhecer a realidade
brasileira, de escravidão, num primeiro momento, e de exclusão dos ex-escravos, após esse
primeiro momento, para que se possa adotar políticas de ações afirmativas que
sejam eficazes.
9) Você acha que é necessário abolirmos a
noção de raça do nosso meio?
A teoria da democracia racial é um mito, porque camufla o
racismo e impede avanços e inviabiliza discussões. É necessário, sim, abolirmos a noção de
raça. No entanto, se faz mais urgente a abolição das diferenças entre negros,
brancos, pardos, índios etc.
10) Você não acha que com a realização de
reformas universais como uma reforma agrária, uma reforma política e uma reforma urbana não seria mais necessário fazer
nenhuma política afirmativa diferencialista?
Eu acho, e tenho certeza. As cotas são necessárias na medida em que o racismo
deixa a nossa sociedade em estado de saúde emergencial. E as cotas são medidas
justamente emergenciais. Os negros não podem esperar mais para se qualificarem.
Não podem esperar a reforma agrária. Não podem esperar reformas estruturais que
democratizem a sociedade. As cotas não podem ter fim em si mesmas. São justas e
paliativas.
11) As desigualdades raciais tendem a
desaparecer no curso das modernizações capitalistas?
Não. O racismo é uma das armas do capitalismo. Tudo que o
capitalismo tem feito, até os dias de hoje, é se modernizar. E as desigualdades
raciais não desapareceram, mas, pelo contrário, se intensificaram.
12) Você já presenciou alguma demonstração
de racismo ocasionada pela existência das cotas raciais?
Não presenciei, mas já fiquei sabendo. E a melhor resposta
que cotistas podem dar são os dados do IPEA que afirmam que estudantes que se
beneficiaram das cotas têm melhores notas na universidade. Qualquer
demonstração de racismo é crime imprescritível e inafiançável, seja ela
ocasionada pelas cotas, ou por qualquer outro motivo. A verdade é que não há
justificativa para o racismo.
13) O recenseamento da população em cinco categorias (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) pode contribuir para o aumento do racismo?
13) O recenseamento da população em cinco categorias (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) pode contribuir para o aumento do racismo?
Não. O recenseamento está assentado em bases concretas. Isso
é muito importante para combater o racismo. O que aumenta o racismo é o
silêncio que se faz sobre as diferenças, sejam elas sociais, regionais, ou
raciais.
14) Para você, o que é mais relevante nesse
debate? A péssima educação de base, o elitismo das nossas universidades, as
desigualdades reforçadas pela economia capitalista, ou o passado escravista?
Todos os 4 itens são de extrema importância. É importante
não desmembrá-los, mas integrá-los, como o fazem as cotas.
Apesar de não concordar com alguns conceitos teus, é um orgulho ver que você se tornou muito articulado e detentor de ideias próprias e apropriadas. Acho que Nietzsche tem uma ideia diferente sobre a questão da meritocracia na Universidade. E eu penso parecido no que se refere à questão do Ensino Superior ser para pessoas superiores. Democratizar demais o Ensino Superior pode torná-lo inferior. Abraços.
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