domingo, 13 de maio de 2012

Entrevista


Ontem, dei uma entrevista a um grupo de estudantes da Universidade Federal Fluminense, sobre as cotas raciais. O STF julgou recentemente a validade das cotas, que foram aprovadas. Portanto, esse é um assunto que está em pauta na sociedade, e por isso resolvi publicar aqui no blog. Seuge abaixo a entrevista:

1)   Felipe, a universidade em que você estuda adota o sistema das cotas raciais?

Sim. A UERJ foi uma das primeiras universidades do Brasil a adotar o sistema de cotas raciais, há uma década.

2)   Você é estudante cotista?

Não.

3)    Você é contra ou a favor as cotas raciais no ensino superior?  E em relação às cotas sociais, qual é sua posição?

Sou a favor das cotas raciais, porque negar que pobreza no Brasil tem uma cor definida é fechar os olhos para a realidade histórica e social do nosso país. Em relação às cotas sociais, entendo como uma medida recuada, muito pouco ousada e, por isso, ineficaz.

4)    Para você, as cotas ferem o princípio da igualdade?

Não, simplesmente porque não há igualdade no Brasil. O que fere o princípio da igualdade é a ausência de negros na universidade.

5)    O mérito deveria ser o único critério usado para o ingresso no ensino superior?

Não. Compactuar com a meritocracia num país tão desigual é assinar atestado de fascista, na lógica da exclusão de muitos em benefício de poucos.

6)    Qual o papel da educação superior nessa história? Mais teórico, combatendo as ideias racistas, ou mais prático, através da criação de cotas raciais?

O papel da educação superior é colocar pessoas de todas as cores no espaço acadêmico, o que hoje não ocorre. Até porque, sendo bem realista, a educação superior nunca usou a teoria para combater ideias racistas. Vale lembrar a teoria do embranquecimento, a posição concretamente contrária da academia em relação à miscigenação. A exclusão de negros dos espaços de conhecimento e de poder, no Brasil, se deu também pela via institucional. O samba já foi perseguido, bem como a capoeira, o candomblé, que são hábitos, costumes e crenças de origem africana. Já houve a Lei da Vadiagem, aplicada exclusivamente a negros e mulatos. Tudo isso fortalecido por teorias racistas elaboradas dentro da academia.

7)    Como combater o racismo?

Há várias formas de se combater o racismo. É importante fazer isso no dia-a-dia, 24 horas por dia. O racismo se manifesta em piadas, em comentários maldosos. Essa é a forma individual de combate ao racismo. No entanto, é importante combatê-lo coletivamente, na adoção de políticas públicas que insiram os negros em locais que são historicamente fechados para eles, na elaboração de leis mais rígidas que punam racistas etc.

8)    Você acha que é possível uma ação afirmativa destituída da oposição racial (branco X negro)?

É possível, mas não eficaz. É preciso reconhecer a realidade brasileira, de escravidão, num primeiro momento, e de exclusão dos ex-escravos, após esse primeiro momento, para que se possa adotar políticas de ações afirmativas que sejam eficazes.

9)    Você acha que é necessário abolirmos a noção de raça do nosso meio?

A teoria da democracia racial é um mito, porque camufla o racismo e impede avanços e inviabiliza discussões. É necessário, sim, abolirmos a noção de raça. No entanto, se faz mais urgente a abolição das diferenças entre negros, brancos, pardos, índios etc.

10)    Você não acha que com a realização de reformas universais como uma reforma agrária, uma reforma política e uma reforma urbana não seria mais necessário fazer nenhuma política afirmativa diferencialista?

Eu acho, e tenho certeza. As cotas são necessárias na medida em que o racismo deixa a nossa sociedade em estado de saúde emergencial. E as cotas são medidas justamente emergenciais. Os negros não podem esperar mais para se qualificarem. Não podem esperar a reforma agrária. Não podem esperar reformas estruturais que democratizem a sociedade. As cotas não podem ter fim em si mesmas. São justas e paliativas.

11)    As desigualdades raciais tendem a desaparecer no curso das modernizações capitalistas?

Não. O racismo é uma das armas do capitalismo. Tudo que o capitalismo tem feito, até os dias de hoje, é se modernizar. E as desigualdades raciais não desapareceram, mas, pelo contrário, se intensificaram.

12)    Você já presenciou alguma demonstração de racismo ocasionada pela existência das cotas raciais?

Não presenciei, mas já fiquei sabendo. E a melhor resposta que cotistas podem dar são os dados do IPEA que afirmam que estudantes que se beneficiaram das cotas têm melhores notas na universidade. Qualquer demonstração de racismo é crime imprescritível e inafiançável, seja ela ocasionada pelas cotas, ou por qualquer outro motivo. A verdade é que não há justificativa para o racismo.

13)    O recenseamento da população em cinco categorias (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) pode contribuir para o aumento do racismo?

Não. O recenseamento está assentado em bases concretas. Isso é muito importante para combater o racismo. O que aumenta o racismo é o silêncio que se faz sobre as diferenças, sejam elas sociais, regionais, ou raciais.

14)    Para você, o que é mais relevante nesse debate? A péssima educação de base, o elitismo das nossas universidades, as desigualdades reforçadas pela economia capitalista, ou o passado escravista?

Todos os 4 itens são de extrema importância. É importante não desmembrá-los, mas integrá-los, como o fazem as cotas.

Um comentário:

  1. Apesar de não concordar com alguns conceitos teus, é um orgulho ver que você se tornou muito articulado e detentor de ideias próprias e apropriadas. Acho que Nietzsche tem uma ideia diferente sobre a questão da meritocracia na Universidade. E eu penso parecido no que se refere à questão do Ensino Superior ser para pessoas superiores. Democratizar demais o Ensino Superior pode torná-lo inferior. Abraços.

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